Como já comentamos em nosso overview sobre a crítica especializada, Hogwarts Legacy é um jogo muito bom, muito mesmo, mas não é perfeito. Entre as opiniões negativas, encontramos menções sobre mecânicas de jogo ultrapassadas e, spoiler, essa também é a minha percepção em dados momentos. Por isso, o objetivo desse artigo de opinião é discutir a interface de Hogwarts Legacy e as escolhas de UX/UI design que foram feitas pela Portkey Games, com sugestões de como elas poderiam ser melhores e mais simples.
Antes de mais nada, não sou designer de formação, muito menos designer de games. Sou um entusiasta da área, profissional generalista de marketing digital, tendo desenvolvido ao longo de minha carreira a interface de diversos sites e aplicativos, mas não me considero apto o bastante para fazer qualquer embasamento teórico sobre as questões a seguir. A ideia é, como usuário, relatar as minhas dificuldades e propor caminhos sobre como o game poderia ser ainda melhor.
Minha análise se baseia principalmente na versão para Xbox Series S e, por isso, eventuais menções a botões ou recursos serão direcionadas ao que obtive nele, sem desprezar a característica multiplataforma do jogo que é nosso primeiro tópico.
A navegação em Hogwarts Legacy: uma única resposta para multiplataformas
Hogwarts Legacy foi lançado para PC, PS5 e Xbox Series, mas muito em breve teremos também versões para Switch, PS4 e Xbox One. Cada plataforma tem suas peculiaridades inerentes do dispositivo usado para interação. PCs carregam a possibilidade de jogar com mouse, a versão para Nintendo Switch pode vir com controles de movimento ou navegação em touchscreen, ainda não confirmadas, mas a maioria dos jogadores deve utilizar mesmo um joystick.
Tomando isso por base, a mais polêmica decisão da Portkey Games logo de cara é, sem dúvida, a adoção de um cursor que simula um mouse para uso em todos os menus do jogo, desde o inicial. A precisão de utilizar um mouse, sensores de movimento ou mesmo touchscreen pode até se beneficiar do mecanismo, mas o fato é que o jogador de joystick acaba por perder muito tempo e ser pouco preciso ao selecionar os itens que gostaria com seus analógicos.
Além disso, pode ser improdutivo mesmo para quem tem um dispositivo touchscreen alternar entre os botões do controle e o toque na tela, com muitos tendendo a se manter utilizando os controles para seleção.
A solução, é claro, é a mais tradicionalista possível. A navegação por setas, como um menu de DVD, é mais precisa e atende suficientemente às necessidades de Hogwarts Legacy. Além disso, ela não inviabiliza o uso do mouse ou do touchscreen, desde que respeitadas áreas de clique grandes e intuitivas o suficiente.
Já quanto ao mapa, é sim possível permanecer controlando com analógicos, mas como a maioria dos jogos de mundo aberto fazem, e a aqui cito desde o aclamado Zelda: Breath of the Wild (2017) até o subjulgado Crackdown 3 (2019), no qual seu ponteiro permanece ao centro da tela e é o mapa que você controla com seu joystick. Uma experiência muito mais natural para consoles, testada e comprovada. Mas sobre o mapa ainda abordaremos um pouco mais…
Reagrupando as opções de forma lógica
Antes de mais nada, é preciso relembrar que Harry Potter nasce como uma franquia infantojuvenil. Ou seja, por mais complexo que seja o jogo, ele precisa ser acessível e fácil de dominar mesmo por um público mais jovem. Isso posto, Hogwarts Legacy tem dezenas de opções de itens, personalizações, árvores de habilidade, missões principais e secundárias e desafios, todos eles com suas mecânicas e opções específicas.
Com tudo isso, se torna complexo dominar o jogo e, com frequência, ouvi relatos de jogadores que deixaram passar itens e desafios pelo caminho por não saber gerenciar ou o que fazer com eles. Minha proposta aqui seria reagrupar as opções do menu para torná-las tanto mais simples de acessar quanto de ter uma compreensão geral logo de início. Para isso, sugeriria testar com usuários reais a forma como eles agrupam itens e termos, mas uma vez que isso não cabe a mim, vou me concentrar a sugerir como eu agruparia toda a hierarquia de menus.
Como é o menu de Hogwarts Legacy hoje
Expandi a árvore de menu de Hogwarts Legacy até o segundo nível de opções para visualizarmos todas as quase 40 opções que o usuário terá que explorar para conhecer tudo que há no jogo e fazer suas modificações / interações:
- Equipamento: suas vestes e atributos que elas conferem
- Inventário: itens que você coletou
- Criaturas: animais capturados
- Itens de missão: itens que você recebe ou transporta durante missões
- Anotações: bilhetes com memórias encontrados durante suas missões
- Recursos: materiais que você utilizará, por exemplo, no preparo de poções
- Talentos: sua árvore de habilidades com suas respectivas categorias.
- Magias
- Artes das Trevas
- Principal
- Furtividade
- Sala Precisa
- Coleções: um “álbum de figurinhas”, registrando seu progresso com todos os itens e locais encontrados pelo jogo. Ramifica em 10 sub-categorias:
- Ferramentas
- Inimigos
- Aparências
- Páginas de Revelio
- Criaturas
- Atributos
- Cabos de varinha
- Conjurações
- Ingredientes
- Vassouras
- Desafios: réguas de desafios de habilidade, por exemplo, colete 8 itens ou derrote 5 inimigos, que oferecem recompensas no jogo. Subdivididos em cinco categorias:
- Combate
- Missões
- Exploração
- Guia de Campo
- Sala Precisa
- Mapa: o mapa do jogo subdividido em três mapas principais. Cada um traz sua relação de locais de chamas de flu e um resumo dos coletáveis no local.
- Mapa de Hogwarts
- Mapa de Hogsmade
- Mapa do Mundo
- Missões: todas as missões principais e secundárias, subdivididas em categorias:
- Tudo
- Principal
- Tarefas
- Relações
- Lateral
- Concluídas
- Correio-coruja: sua “caixa de entrada”, aqui ficam as mensagens que você recebe de NPCs convidando para missões ou atribuindo tarefas.
- Configurações: agrupa recursos de salvamento e opções de ajustes, subdivididas por:
- Salvar/Carregar e sair
- Opções de exibição
- Opções de áudio
- Opções de jogabilidade
- Opções de controle
- Opções de acessibilidade
- Opções de interface do usuário
Também é importante mencionar que o excesso de opções e a lentidão nas transições entre uma aba e outra, quando somados, oneram o jogador. As animações são bonitas e encantam em uma primeira vista, mas ao adicionar a essa equação o tempo de movimentação do cursor, faz com que a navegação ao longo do jogo se torne um processo árduo.
Simplificando o menu de Hogwarts Legacy
Agora é hora de reagrupar. Com pequenas mudanças de lógica é possível chegar a um menu muito mais enxuto e acessível ao jogador, com apenas quatro opções principais. Aproveitei para reordenar da forma como acredito que seria mais produtivo ao usuário.
- Mapa e missões: uma solução que detalho mais abaixo agruparia o mapa e todas as missões do jogo de forma conjunta. Por meio de filtros, encontraríamos no mapa opções como:
- Missões principais
- Missões secundárias
- Rede de flu
- Pontos de interesse
- Missões concluídas
- Personagem: essa nova opção agruparia todas as opções referentes à personalização e aprimoramento de seu personagem, bem como seu histórico de coleções e mensagens trocadas.
- Salvar / Carregar / Sair
- Equipamento
- Talentos
- Desafios
- Coleções
- Correio-coruja
- Inventário: a menos alterada das seções permaneceria como é hoje.
- Criaturas
- Itens de missão
- Anotações
- Recursos
- Configurações: agrupa recursos de salvamento e opções de ajustes, subdivididas por:
- Opções de exibição
- Opções de áudio
- Opções de jogabilidade
- Opções de controle
- Opções de acessibilidade
- Opções de interface do usuário
Detalhando as propostas de UX/UI em Hogwarts Legacy
Acesso ao menu
A primeira mudança é na forma como o jogador acessa o menu. Enquanto hoje há duas opções de acesso: o botão voltar (central esquerdo) leva diretamente ao mapa e o botão start (central direito) leva ao primeiro nível de menu, em uma bela tela. Esse comportamento é o inverso de outros jogos do gênero, levando a relatos de erros frequentes, mas não é só isso.
E a verdade é que não há necessidade de uma tela com o primeiro nível de menu. O mapa, mais importante agora que contempla as missões, migraria para o botão start e para o botão voltar direcionaríamos ao menu de Personagem. Qualquer outra opção fica por conta da navegação por abas acima de ambas as telas.
Mapa e missões
O mapa é, sem dúvidas, o que mais me incomoda. Além de seu botão de acesso parecer errado, não há também justificativas para a navegação ocorrer em três ambientes diferentes e não em um mapa único, que fique mais detalhado conforme você dá zoom em cada região, incluindo Hogwarts e suas torres.
A solução para simplificar mapas e missões é simples e amplamente testada em jogos de mundo aberto. Antes de mais nada, é o mapa quem deve se mover com as alavancas analógicas e zoom, e não seu ponteiro. Itens centralizados (círculo abaixo) serão detalhados e selecionáveis.
Uma vez que o jogo não lhe mostra logo de início as missões principais e secundárias, a tendência é que o mapa não fique tão poluído. Mas, de qualquer forma, bastaria um filtro para mostrar a localização das missões e um combo de informações detalhando passos, exigências e recompensas de cada missão, exibido somente ao selecioná-las.
Outra proposta simples e eficaz seria a separação por cores e o destaque em locais de interesse. Nesse conceito, destacaria na cor laranja comerciantes e salas secretas.
Por fim, um recurso que coloco em cheque é a possibilidade de adicionar pontos de flu como rota. Ainda que possa ajudar alguns jogadores, fato é que se o flu é um local para onde você pode se teletransportar, não há necessidade de uma rota para caminhar até os que já foram descobertos.
O menu do personagem
Hogwarts Legacy diz respeito a você. É você quem finalmente frequentará a sonhada escola de magia e escolherá o destino de seu personagem. A nova tela Personagem traduz essa essencia do jogo, colocando tudo que se refere a você mesmo de forma concentrada.
Seu progresso, suas habilidades e sua aparência estão ali, de fácil acesso. Opções com novidades disponíveis são destacadas com um símbolo ao lado.
A opção de salvar, carregar e sair também é migrada para cá. Afinal, se refere mais ao gerenciamento de seu progresso do que a uma configuração do jogo.
Agora, quanto a cada subitem deste menu:
Equipamentos: bem resolvido, mas pode melhorar
Apesar de complexa, a ponto de eu ter dedicado um artigo sobre como gerenciar itens e personalizar aparência, meu objetivo não é avaliar o game design de Hogwarts Legacy e sim sua interface. Aqui, ela é funcional e criativa, mas há duas melhorias que fariam alguma diferença:
- A quantidade de slots que você pode carregar não fica clara. Vemos mais slots na tela de cada item do que realmente temos.
- Um botão “personalizar aparência” deveria ser exibido também na tela em que você escolhe o item que quer vestir. Hoje essa opção fica apenas na tela anterior, em que você escolhe qual tipo de roupa quer trocar, e somente ao posicionar o cursor sobre cada opção.
Adicionalmente, incorporo aqui uma sugestão de meu amigo Rubens Castro: ao coletar um novo equipamento, seria excelente ter um botão de atalho que levasse o jogador diretamente para cá, para vesti-lo imediatamente.
Talentos: árvore de habilidades confusa e pouco criativa
A árvore de habilidades de Hogwarts Legacy é uma das funções mais mal resolvidas do jogo. Parece ter sido feita às pressas e sem criatividade, tornando as decisões sobre aprimoramentos no jogo morosa e difícil de assimilar.
Ao obrigar o jogador por escolher entre categorias, o jogo distancia a percepção de que você tem apenas um punhado de pontos para distribuir entre elas e dificulta a comparação entre as opções. Um jogador que queira extrair ao máximo precisa voltar e mudar categoria por categoria, ler opção por opção, para então voltar novamente e escolher qual deseja.
Uma referência muito mais interessante para a árvore de habilidades é Ori and the Blind Forest (2015) que condensa muito bem seus pontos disponíveis e diferentes ramificações de habilidades, ou a franquia Assassin’s Creed que há décadas faz isso muito bem, propondo árvores não lineares. Encontrei ainda o belíssimo trabalho de Luca Goury, no Benance, que propõe uma árvore unificada para feitiços e melhorias em formato do símbolo das Relíquias da Morte.
Desafios: nem lá, nem cá
Os desafios também podem não ser o recurso mais simples de entender no jogo. Mas sem dúvidas melhorar sua interface, é sim. Basta adicionar a sub-navegação por abas, semelhante à vista no Inventário, e boa parte do drama de alternar entre categorias se vai. De resto, a barra de progressão e o modo como coletamos itens é um acerto da produção.
Coleções
As coleções são bem resolvidas. Apesar de seguirem a mesma lógica de se abrir em capítulos que abominei em todas as opções anteriores, aqui é um momento mais de contemplação do que de funcionalidade. Por isso, acredito que cabe a escolha adotada.
Correiro-coruja
É uma interface ok. Talvez eu preferisse um formato mais parecido com uma caixa de entrada de e-mail, exibindo as mensagens ao lado da tela, isso é mais questão de gosto do que de funcionalidade. O fato é que o correio-coruja não tem lá uma importância tão grande para ficar destacado no primeiro nível de menu como fizeram.
Inventário e Configurações
Os maiores acertos nos menus de Hogwarts Legacy estão no inventário e nas configurações. O que os limita é realmente a navegação ser feita por um cursor e não por setas. É fácil entender cada item do inventário e alternar entre as abas, uma solução que acredito que pudesse ser replicada em mais telas pelo menu. Por outro lado, o cursor dificulta a precisão ao selecionar um item ou alterar uma configuração.
Mecânicas de feitiços e itens
Sinto um ou outro incômodo no manejo do joystick de Hogwarts Legacy. Algumas vezes cometo alguns enganos quando queria alterar os feitiços no meu cartucho ou me defender e acabo proferindo um feitiço. Mas seria pretensão demais propor todo um remapeamento de botões de ação e não me julgo capaz de fazer isso.
Mas sobre alguns itens não posso deixar de comentar. Principalmente os mais absurdos e complexos:
Personalização da sala precisa
É interessante adotarem feitiços para personalização da Sala Precisa. Mas onera ao jogador ter que alterar seu cartucho a cada vez que retorna à sala para identificar um punhado de itens. Se dentro da sala nada interage com suas demais magias, por que não restringir o jogador a um cartucho de feitiços exclusivo da sala, e retornar automaticamente aos dele ao sair?
Captura e trato de criaturas mágicas
Aqui é um tanto quanto engraçado. Além de ferir às leis da magia quanto à possibilidade de criar comida, você utiliza feitiços para conjurar uma escova e uma mala para capturar seus animais. Esses claramente não deveriam ser enquadrados como feitiços.
Sua furteira poderia perfeitamente estar entre as poções e plantas que você utiliza para atacar em suas missões. Já a escova e o alimento são opções que só deveriam aparecer ao se aproximar das criaturas domesticadas, uma vez que seu uso é tão restrito e contextual.
Cartucho de feitiços e recursos em batalhas
Por fim, como não poderia deixar de ser, preciso comentar sobre a tela para seleção de seus feitiços. Ela exige muito raciocínio do jogador para interpretar 26 ícones (e/ou posicionar o cursor sobre cada um deles) para alimentar seu cartucho. Assim, em situações em que você estava explorando e se deparou com um inimigo, o clímax da ação é totalmente cortado, passando bastante tempo parado organizando seu arsenal.
Uma solução um pouco melhor está no cartucho de recursos, como poções e plantas, que você utiliza em batalha. O menu circular é uma forma um pouco mais fácil de alternar rapidamente entre diferentes opções.
No entanto, sabemos que para feitiços isso seria um tanto quanto mais complexo, afinal estamos falando de 26 opções. Fato é que jogos mais recentes, como Guardiões da Galaxia (2021) fizeram um excelente trabalho ao dar até 16 opções de ataques especiais, além dos básicos, sem pausar o gameplay. Ori and the Will of the Wisps (2020) também se mostrou eficaz com sua mecânica de atribuição de botões, ainda que com um pouco menos de opções.
Uma mescla entre as duas soluções poderia inspirar Hogwarts Legacy a lidar de forma melhor com a seleção de feitiços. Ao remover da lista aqueles que sequer são feitiços ou mesclando suas competências, muitas vezes tão próximas, fica ainda mais fácil.
Conclusão: UX e UI de Hogwarts Legacy
Este é um artigo totalmente diferente no Mundo Bruxo. Mais técnico, mas não técnico demais, o objetivo era apontar aspectos que melhorariam a experiência em Hogwarts Legacy. Claro que estas não são as únicas soluções possíveis e que pessoas diferentes podem interpretar as interfaces e mecânicas do jogo de forma diferente.
Na minha opinião, Hogwarts Legacy é um jogo incrível, e eu estou amando explorar cada aspecto do castelo, mas a morosidade para dar solução até às tarefas mais simples onera o jogador e isso se torna cada vez mais evidente conforme você passa mais horas explorando o castelo e seus arredores.
A grandiosidade foi a aposta da Portkey Games ao produzir esse jogo, e eles vão bem, principalmente considerando que o estúdio não tem histórico com jogos desta proporção. No entanto, o tempo para produção de jogos é cada vez maior. Hogwarts Legacy teve diversos adiamentos devido à pandemia, distanciando seu lançamento de seu escopo inicial. Com isso, é natural que outros jogos lançados nesse interim tragam mecânicas mais novas e refinadas, das quais não é possível beber da fonte sem prejudicar o progresso do desenvolvimento.
Contudo, sobre diversos aspectos, o que percebemos foi um certo desprezo pela experiência geral de navegação do usuário, possivelmente causado por “puxadinhos” e mecânicas incrementais adicionadas ao longo do desenvolvimento.
Esperamos que o jogo tenha uma continuidade, seja por meio de updates, DLCs ou de novos títulos futuros, e que a Portkey Games passe a prezar mais por esses aspectos de UX/UI em suas produções futuras.
E você, o que achou? Concorda? Discorda? Deixe seu comentário pra gente e compartilhe o que vai bem ou o que você faria diferente em Hogwarts Legacy.
Ilustração: Hogwarts por FlorentLlamas, no DeviantArt
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